Tempos estranhos: governo Caiado quer “reestatizar”a distribuição de energia elétrica em Goiás, propondo-se a fazer com dinheiro público investimentos que são de responsabilidade da Enel
Se há uma qualidade que falta ao governo de Ronaldo Caiado é a objetividade ou, dizendo de outro modo, a clareza sobre as suas ações e metas perseguidas. Está aí a questão da crise fiscal, que Caiado, quase oito meses depois de assumir, ainda está longe de resolver ou sequer atacar de frente. Há um verdadeiro vaivém do governo em torno dos caminhos a serem adotados: uma hora é a adesão ao rigoroso Regime de Recuperação Fiscal, outra hora é uma articulação – aliás, até o momento sem resultado – para a aprovação pelo Congresso do Plano de Equilíbrio Fiscal, menos traumático, e em meio a tudo isso irrompe uma tentativa para o desvio de 30% dos recursos do FCO para que o Estado aplique em obras públicas. No final das contas, Caiado está deixando de fazer o que realmente importa, que é baixar medidas dentro da sua esfera de competência para de algum modo alcançar uma redução do modelo de desequilíbrio entre receita e despesas que ele herdou de seus antecessores. O caixa estadual continua com um rombo escancarado.
Este blog já registrou inúmeras vezes que Caiado é um governador barulhento. Ele é adepto de um falatório torrencial, mas, vejam só, leitora e leitor, geralmente sem provocar efeitos práticos. Dentro desse seu jeitão, está em curso um novo espetáculo verbal – agora sobre uma hipótese sem pé nem cabeça para, digamos assim, a “reestatização” de parte dos serviços de distribuição de energia elétrica em Goiás. Pela fórmula escalafobética apresentada pelo governador, uma pequena estatal que restou ao Estado – a Celg Geração & Transmissão, receberia do governo federal o favor de um empréstimo de R$ 2 bilhões (via BNDES) para investir em linhas de transmissão e estações rebaixadoras, ocupando o espaço vago deixado por quem seria obrigado a cobrir essa ampliação ou melhoria, ou seja, a Enel.
Fantatiscamente, apesar de contrair esse gigantesco financiamento (e vale lembrar aqui que o governo de Goiás não tem nota de crédito e portanto não pode receber aval da União sequer para um papagaio de R$ 1 real), a Celg GT seria privatizada no ano que vem, passando, portanto, para a iniciativa privada. Isso não tem sentido. Nada, nessa história toda, tem. Como é que uma estatal que fatura pouco mais de R$ 200 milhões anuais e já deve R$ 76 milhões receberia um mútuo 10 vezes maior? Como isso seria pago ? E por que o governo de Goiás, quebrado, conforme a visão de Caiado, avocaria para si gastos que são de responsabilidade da Enel? E o pior: essa operação não tem a menor fundamentação legal, dependendo de mudanças na legislação e do envolvimento de órgãos como o BNDES, a Aneel (que é a agência fiscalizadora do setor), o Ministério das Minas & Energia, o Congresso Nacional e a Presidência da República, que teriam todos de se dobrar ao celebrado, mas nunca capaz de dar uma demonstração de efetividade, prestígio do governador Ronaldo Caiado em Brasília.
Não dá para acreditar em algo tão inusitado quanto complexo. E pautado por uma dose expressiva de inconsequência, na medida em que não é função do governo algum a criação de falsas expectativas ou pautar seus movimentos por critérios de subjetividade. Nada do que Caiado vem dizendo tem chances de acontecer. A concessão da Enel não será cassada nem tomada de qualquer modo. A Celg GT não vai contrair nenhum empréstimo milionário, acima da sua capacidade financeira, para investir pesado em distribuição de energia em Goiás. O único caminho possível é o previsto pelas leis do país: compete à Aneel monitorar e verificar a qualidade dos serviços prestados pela Enel, exigindo o seu constante aprimoramento, mas sem ferir a segurança jurídica que deve ser assegurada à empresa. Fora daí, é só conversa fiada e imprudente. São tempos estranhos os que se vivem hoje em Goiás.