O que acontece em Aparecida? Gustavo Mendanha cede às pressões do empresariado, deixa metade da cidade aberta diariamente e coloca em risco o esforço anti-Covid-19 da região metropolitana

Algo muito sério acontece em Aparecida. Não tem cabimento que, em plena alta de casos da Covid-19 no município e com grande parte da cidade conurbada com Goiânia, o prefeito Gustavo Mendanha insista em seguir na contramão do prefeito Rogério Cruz, adotando um esquema alternativo de fechamento das portas do comércio, indústria e serviços que mantém, a cada dia, metade dos bairros com as portas das atividades econômicas não essenciais abertas, até mesmo shopping centers – como o Buriti Shopping, cujas filas ganharam repercussão nacional – ou então criando condições para aglomerações como a da foto acima, em uma feira livre no setor Cruzeiro do Sul, na manhã do último sábado, 20 de março.
É um crime. Mendanha, ele mesmo, é exemplo da ferocidade da pandemia em Aparecida. Sua mãe, esposa, dois filhos e cinco tios foram contaminados. Pior: seu pai, há mais de semana padecendo sob ataque do vírus, parece ter sido internado tardiamente e em menos de 48 horas teve que ser intubado, com os pulmões comprometidos. Isso talvez não seja nenhuma coincidência, mas sim uma manifestação a mais do espírito negligente e imprudente de um prefeito que não age com a responsabilidade devida aos 600 mil habitantes do seu município e aos mais de 1,5 milhão de moradores na capital vizinha.
As notícias que vêm de Aparecida são de arrepiar. O procurador municipal, um certo Fábio Camargo, foi aos meios de comunicação para ensinar aos comerciantes aparecidenses como enganar a polícia, que, naquele momento, passava pelas lojas abertas e orientava para o seu imediato fechamento. “Fechem as portas, esperem a polícia ir embora e reabram”, disse inacreditavelmente o dito advogado pago pela prefeitura para defender a lei e a ordem na cidade. Ora, sendo esse o tipo de gente que assessora Gustavo Mendanha, fica mais entender a lambança que ele está impondo aos seus governados e à população de Goiânia, com quem Aparecida compartilha bairros, ruas e avenidas e grande parcela das linhas do transporte coletivo.
Mendanha se esconde atrás de um tal COE, uma espécie de comitê de prevenção e enfrentamento à Cobid-19 criado pela prefeitura, que contaria com quadros técnicos e com uma composição capaz de retratar a sociedade local. Mas não é bem assim, leitoras e leitores. Na verdade, é outra tapeação. O COE tem maioria de representantes de entidades empresariais na sua composição, inclusive um preposto do caliginoso Sandro Mabel, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás – FIEG e uma das estrelas do negacionismo em Goiás. Funcionários da Secretaria municipal de Saúde, subordinados hierarquicamente ao prefeito, é que encaminham as informações dentro do Comitê – cujos membros, na ânsia de atender aos interesses do empresariado de não fechar portas e do prefeito de politizar o coronavírus, se esquecem de pedir uma comprovação independente e livre de qualquer direcionamento – poderiam, por exemplo, checar com a Secretaria estadual de Saúde, só que não o fazem.
O Comitê também não tem a menor transparência. Não divulga suas atas, se é que são feitas, nem mostra detalhes das decisões, que tipo de debate motivaram e que argumentos foram apresentados pelos que se opuseram, caso tenha havido algum. É tudo escondido, como de resto, o conjunto do que ocorre dentro da prefeitura, uma gestão onde o secretariado foi proibido pela Secom municipal de falar com a imprensa. A cereja do bolo são os dois representantes de instituições do Quarto Poder, o Ministério Público e a Defensoria Pública, usados para “legalizar” moralmente todas as resoluções. Olha a má fé do procurador municipal e o tipo de engodo a que estão sendo induzidos o promotor e o defensor públicos que têm lugar no COE: “Lembrando que não é uma ideia do Mendanha, existe um Comitê que é formado por membros da OAB, pelo Ministério Público, pela defensoria pública e pelos técnicos da Secretaria da Saúde. É um Comitê multidisciplinar que decide tudo. Então, esse Comitê, depois de apresentar estudos técnicos e as matrizes de risco do município, entendeu que o escalonamento é a melhor solução”, disse o dr. Fábio Camargo, que espertamente não citou a maioria de empresários que integram o COE, ressaltando apenas os que aparentam dar credibilidade ao grupo e ingenuamente estão servindo a essa finalidade espúria.
Aparecida é hoje em Goiás a meca da “velha política”. Tem um prefeito jovem, mas com a cabeça no passado, que cooptou toda a classe política local em troca de nacos generosos da folha de pagamento. Todos os presidentes dos diretórios partidários municipais estão empregados na prefeitura, mais seus apaniguados, os indicados dos 25 vereadores, todos os suplentes que tiveram votação expressiva e quem, enfim, possa ter qualquer importância para compor a “unanimidade” comprada em torno do nome do prefeito. Não existe oposição, mas uma paz política que remete ao silêncio dos cemitérios locais cada vez mais lotados, cujos coveiros, ao contrário dos que trabalham em Goiânia, não foram até hoje imunizados contra a nova doença.
Para que uma farsa seja derrotada, em primeiro lugar é preciso desmascará-la. É disso que Aparecida mais necessita no momento, tal qual de UTIs públicas e privadas, como a que poderia ter salvado o professor de Geografia Paulo Vitor, de 28 anos, que morreu na UPA do Parque Flamboyant após dois dias aguardando um leito especializado. Infelizmente, com a cidade descontrolada, 50% liberada a cada dia, o que corresponde a três núcleos urbanos do tamanho de Rio Verde, casos parecidos vão se suceder. Até que Mendanha olhe para dentro de si mesmo e encontre o ser humano que ele deixou ser consumido pelo político ambicioso.