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José Luiz Bittencourt sobre política, cultura e economia

03 set

Quem planta vento, colhe tempestade: racionamento de água em Goiânia será uma tragédia para o governo Caiado, que revogou os decretos que protegiam a bacia do rio Meia Ponte

O rio Meia Ponte está descendo a níveis críticos. Caso as chuvas não comecem o mais cedo possível, é certo que a Saneago será obrigada a impor um racionamento de água na região metropolitana de Goiânia, abastecendo as torneiras dia sim dia não. Para o governador Ronaldo Caiado, será uma tragédia. Todo e qualquer racionamento é sempre desgastante e relacionado com incompetência administrativa. Foi o que aconteceu em 2001 e 2002, quando o presidente Fernando Henrique impôs ao país um racionamento de energia elétrica e viu a aprovação do seu governo chegar a quase zero (com a consequente vitória da oposição, via Lula, na eleição de 2002).

 

Um racionamento de água de grandes proporções, em Goiânia e Aparecida, é praticamente inédito. Já aconteceu no passado, mas por pouco tempo e limitado a alguns bairros. O que está vindo aí é diferente porque prejudicará a população inteira. Não há governo cuja imagem resista à insatisfação que uma medida gera, ao mexer com o cotidiano das pessoas. Caiado vai tentar, mas não conseguirá jogar a responsabilidade somente nas gestões do passado, como faz habitualmente com qualquer problema atravessado no seu caminho. Nesse caso, ele também tem culpa no cartório.

 

Logo depois de assumir, o novo governador, para atender ao agronegócio, revogou dois decretos do ex-governador Marconi Perillo, um deles em vigor desde 2001, que estabeleciam severas restrições para o licenciamento ambiental de empreendimentos econômicos na bacia do Meia Ponte. O rio e seus afluentes passaram a correr em uma terra de ninguém. A secretária estadual de Meio Ambiente, uma procuradora federal que veio de fora e só agora está se inteirando da situação em Goiás, chegou a dar entrevistas defendendo o fim das multas a quem estivesse poluindo a bacia. Textualmente, ela afirmou que, em vez de fiscalizar, a nova estratégia seria a do diálogo com os produtores instalados na área, principalmente aqueles em situação irregular. O resultado está aí para quem quiser ver: a degradação da bacia aumentou a ponto de comprometer perigosamente o nível de vazão do rio. O governo foi ingênuo ao apostar na boa fé dos donos de negócios na região.

 

Caiado é parecido com o presidente Bolsonaro: ambos enxergam a preservação do meio-ambiente como nociva para o agronegócio. Daí a revogação dos dois decretos que protegiam a bacia do Meia Ponte, sumariamente, logo que o novo governo assumiu em Goiás. Em outra frente, foi lançado o programa Juntos pelo Araguaia, com a anunciada intenção de recuperar áreas degradadas ao longo do rio, mas na verdade uma proposta até agora sem um único centavo de recursos – que, se aparecerem, irão financiar uma ação que deveria ser de responsabilidade dos fazendeiros que desmataram áreas proibidas. Isso não é correto.

 

Se não chover logo, o racionamento de água na Grande Goiânia virá ainda em setembro. Caiado, ao abandonar ao léu a bacia do Meia Ponte, plantou vento e obrigatoriamente irá colher tempestade. Seu governo vai beijar a lona.