Assinatura de Cláudio Meirelles é filigrana sem importância que não deveria se sobrepor à decisão de um Poder e está dando margem a interferência indevida, infelizmente legal, de juízes no Legislativo
Algumas distorções do sistema jurídico em vigor no Brasil permitem que um juiz de 1ª instância tenha autoridade equivalente a dos Poderes da República, caso, há poucos dias, do magistrado federal que suspendeu a decisão do presidente da República de retirar os radares das rodovias e agora, em Goiás, dos que estão concedendo liminares suspendendo decisões soberanas da Assembleia Legislativa quanto aos projetos reformistas que foram aprovados no último mês de dezembro.
Não faz sentido. No mínimo, esse tipo de interferência deveria ser da competência exclusiva dos tribunais superiores e, possivelmente, somente por parte de colegiados, jamais juízes isoladamente. E o pior, no caso goiano, é que se sustentando em firulas que só dizem respeito ao regulamento interno da Assembleia e não poderiam em hipótese alguma se sobrepor à decisão colegiada dos seus membros.
Mas é a lei que dá essa autoridade aos quatro representantes do Judiciário estadual que, até agora, se arvoraram na capacidade de atrapalhar os deputados a legislar conforme o direito atribuído a eles pela Constituição Estadual. Dois foram desautorizados com rapidez, depois de suspender a tramitação da PEC da previdência do funcionalismo através de liminares que acabaram imediatamente cassadas (palavra que O Popular em um mau exemplo insiste em escrever com cê cedilha, ou seja, “caçadas”), uma pelo Tribunal de Justiça e outra pelo Supremo Tribunal Federal. Restaram mais duas, aguardando recurso da Assembleia e do governo do Estado para que, corretamente, venham a ser analisadas em 2º ou 3º graus e provavelmente derrubadas pela caneta amadurecida dos desembargadores e ministros.
Fora o funcionalismo e a oposição, há uma espécie de unanimidade quanto a conveniência das reformas da previdência e dos estatutos do funcionalismo e do magistério, que cortam privilégios antigos, adequam a legislação estadual às mudanças que foram feitas no arcabouço jurídico federal e trazem uma economia indispensável para o fim do modelo do desequilíbrio entre receita e despesa em Goiás. São temas de interesse coletivo e não de setores específicos – como sindicatos agarrados ao corporativismo cada vez mais fora de moda no país, ou políticos que divergem mais pessoal do que politicamente do governador Ronaldo Caiado, como o deputado Cláudio Meirelles, cuja assinatura tornou-se momentaneamente assunto preferencial das manchetes jornalísticas.
Tal qual as liminares dos juízes que se intrometem nas resoluções do Legislativo, como é que pode o jamegão de um único parlamentar se tornar mais valioso que os votos da maioria dos seus colegas? Não há nexo nisso, por inclusive atropelar a aptidão institucional do presidente do Poder. A manobra que não tem outra finalidade senão atrasar o calendário das imprescindíveis reformas estaduais, que todo mundo sabe que virão de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, apesar dos eventuais prejuízos que o tempo perdido trará para o Estado em benefício do grande empresariado (o que poderá ocorrer em relação ao projeto que manteve contra a vontade dessa gente a alíquota de 15% para o Protege e que, a prevalecer a tese judicial de Cláudio Meirelles, recuaria para 10%).
Nada disso atende ao bem comum. Mas é assim que se caminha, com tropeções e alguma demora, às vezes, porém no final das contas para a frente, no rumo de uma vida e uma sociedade melhor. Em Goiás e no Brasil.