Modo decisório do Judiciário e do Ministério Público, que impõe a prevalência de opiniões pessoais e sem amparo técnico ou científico, está garantindo o direito de ir e vir… do coronavírus
Um desembargador do Tribunal de Justiça, argumentado com leis que foram escritas para um cenário de normalidade social e econômica, suspendeu a decisão do governador Ronaldo Caiado que proibiu o transporte interurbano em Goiás para evitar a proliferação do coronavírus (note-se: Caiado é o governador mais bem preparado do Brasil para liderar o combate à nova doença e suas deliberações têm tido reconhecimento até mundial). Antes, o Ministério Público Estadual, pela cabeça de um único dos seus membros, também postulou e conseguiu na Justiça a manutenção sem restrições do transporte coletivo na Grande Goiânia, baseado no direito constitucional de ir e vir (que, como se sabem, é também definido para épocas de normalidade e não de “guerra”, como agora).
São amostras, leitora e leitor, do modo decisório do Poder Judiciário e do Ministério Público, que se baseia no voluntarismo dos seus membros e na sua obsessão formal e brega pela lei escrita, o que é uma bênção para o Estado de Direito e a democracia, porém não em um momento de emergência como o atual – quando cada caso deve ser analisado dentro das suas peculiaridades. Ambas as medidas foram produzidas por cabeças individuais, sem amparo em nenhuma argumentação qualificada, como, de resto, é a regra dentro dessas instituições, que asseguram a autonomia total e absoluta dos seus juízes e promotores.
Em suma, absurdamente, o que ficou resolvido é que o coronavírus pode e deve se locomover à vontade em Goiás, pela vontade de apenas duas pessoas sem nenhum preparo específico (um desembargador e um promotor, que nada sabem de infectologia), ao contrário do resto do mundo, onde o direito de ir vir, claro, é reconhecido, mas foi suspenso ou racionado. Medidas dessa importância não poderiam jamais ficar subordinadas ao poder pessoal de um ou outro dos integrantes do Judiciário e do Ministério Público, mas pelo menos submetidas a avaliações colegiadas produzidas por algum consenso subsidiado por informações adequadas às circunstâncias de contigência que o Estado, o país e o mundo estão vivendo.
A crise do coronavírus no Brasil, se servir para ajustar e acabar com esse tipo de autoridade, sustentada na insesantez, já terá servido para alguma coisa.