Em defesa das mulheres: o equivocado artigo sobre Picasso da psicanalista Luciene Godoy
Está em O Popular, edição desta terça-feira, 2 de maio. A psicanalista Luciene Godoy, que exibe um currículo acadêmico respeitabilíssimo, publica um artigo muito bem escrito, repleto de verve, sobre a produção de Pablo Picasso – e, reconheçamos, é um conjunto pictórico sem precedentes da história mundial da pintura.
Particularmente, acredito que Picasso fez tanto com seus quadros que praticamente inutilizou tudo o que veio a seguir. Ao adotar e reinventar o cubismo, capaz de permitir em uma só cena o verso e o anverso de uma mesma figura ou imagem e a sua fragmentação, liquidou as perspectivas da pintura moderna e inviabilizou a possibilidade de qualquer progresso ou evolução. A arte dos pincéis terminou com Picasso.
Isso, Luciane Godoy deixa bem claro. “Transgrediu sem cessar as fronteiras dos gêneros de expressão artística”, escreve ela. É até pouco. Nas centenas e centenas de obras que deixou, e não só pinturas, Picasso ascendeu ao imaginável. Mas em seguida a doutora escorrega, ao relacionar essa extraordinária criatividade com “o seu jeito de homem obstinado, forte e dominador”.
Confiram nos links a seguir quem foi Picasso:
Picasso, gênio, misógino e manipulador
Como as telas de Picasso exibem o comportamento misógino do pintor
Mulheres de Picasso se suicidaram e passaram por eletrochoque
Picasso alternou 11 mulheres. Todas, sem exceção, abusadas, achacadas, humilhadas e em alguns casos até espancadas pelo catalano. Houve suicídios. Igualmente com os filhos (e nem Paloma Picasso, aquela dos perfumes, escapou). Mundialmente, ele passa hoje por uma revisão do que foi como ser humano – mau caráter, misógino, sádico, manipulador, alguém que vivia repetindo só existir “duas espécies de mulheres: as deusas e os capachos”.
Segundo Luciane Godoy, elas foram musas. Musas? Qual o quê? Oito foram retratadas como escória em telas que mais exibem distorções que pessoas (sem prejuízo do conteúdo artístico, infelizmente). No início do namoro, belas. Depois, monstros. Vá lá: são alegorias, certo. Mas raramente capazes de mostrar beleza ou encantamento. Sempre chorando, desconstituídas, irreconhecíveis.
“Virilidade e coragem”, era o que Picasso demonstrava ao estampar a visão que tinha sobre as suas mulheres, segundo Luciene Godoy. E com elogios: “Era o homem-touro”, acrescenta. Não, doutora. Ele, na verdade, era um macho inseguro, digo eu, como a própria psicanalista admite ao citar uma confissão do pintor: “No passado, durante anos, eu me recusei a exibir minhas pinturas”. Tinha medo da reação do público.
Gente medonha, às vezes, está por trás de grandes realizações da pintura, música, literatura e todas as demais manifestações de engenho intelectual. Os quadros de Picasso são muito bons, melhores que quaisquer outros. Não implicam, porém, em endossar a sua aversão às mulheres, um Jair Bolsonaro daqueles tempos. Registrar esse lado obscuro fez falta no artigo de Luciene Godoy. E, sendo mulher, pior ainda. Doeu.