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José Luiz Bittencourt sobre política, cultura e economia

01 mar

Caiado é o primeiro governador da história a vencer o TCE

O Tribunal de Contas do Estado é um órgão auxiliar do Poder Legislativo para atuar na fiscalização das contas do Poder Executivo. Isso, em teoria. Na prática, o TCE constitui-se em um verdadeiro poder paralelo, funcionando com verdadeira e total independência ou autonomia, pouco se lixando para a Assembleia Legislativa ou para qualquer outro tipo de controle ou relação institucional. Vale dizer: o tribunal é uma espécie de propriedade dos seus sete conselheiros de plantão, ocupando um limbo legal cujos direitos e deveres são obscuros não só em Goiás, como nos demais Estados. Bem: até agora, porque tudo isso mudou.

Historicamente, todos os governadores do passado se dobraram ao TCE, desde a sua criação, receando as sanções por irregularidades apontadas (existentes ou não) e seus desdobramentos penais e cíveis. Juízos arbitrários a respeito dessa ou daquela obra pública ou, enfim, qualquer despesa pública, sempre alarmaram os inquilinos do Palácio das Esmeraldas, prestativos para se ajoelhar perante os desígnios da Corte e para obedecer aos seus titulares, quase sem exceção voltando atrás nas decisões contestadas. Bem, isso até que Ronaldo Caiado assumiu o governo e rompeu com essa tradição de subserviência do governo estadual, movimento que acabou testado com a polêmica e atrevida resolução dos conselheiros condenando o modelo adotado para a construção do hospital do câncer, o CORA, seguramente a realização destinada a simbolizar a Era Caiado e o ponto forte do legado concebido pelo atual governador.

 

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Não interessam aqui as filigranas jurídicas. O fato é que, em resumo, o TCE resolveu vetar a contratação de organizações sociais para a prestação de serviços ao Estado, um mecanismo que envolve muito dinheiro hoje disseminado pelo Brasil afora como solução para a lentidão do atendimento de saúde para os segmentos necessitados da população. Isso, no limite, afetaria a própria edificação do CORA. Um erro estratégico grave daquele organismo de contas, já que o hospital está destinado a atender em especial as crianças atingidas por uma doença que clama por um combate especializado, praticamente inacessível para quem não tem recursos. Como alguém fica contra um avanço desses?

Obstaculizar o CORA colocou os sete conselheiros do TCE na berlinda, em especial a partir de quando informações e documentos de dentro do tribunal vazaram para o ex-governador Marconi Perillo e esse, insensatamente, também resolveu arguir a obra e exigir a sua suspensão. Mas aí chegaram as consequências. Caiado não se intimidou e enfrentou de peito aberto a oposição ao seu centro de saúde oncológica. Como um governador que pensa e age fora da caixa, quebrando parâmetros desde quando assumiu, em 2019, mobilizou seu prestígio, acionou competências como a Assembleia, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e até o Supremo Tribunal Federal, além do ímpeto pessoal, venceu em todas e… acabou conquistando um triunfo esmagador, recolhendo o apoio de todos e levando os conselheiros a enfim recuar – restituídos ao bom senso, aprovando a contratação das organizações sociais e do modelo escolhido para levantar o CORA, que, a propósito, realmente não passou por licitação, porém é 100% condizente com as permissões da legislação em vigor. Tudo exatamente como o governador programou desde o início.

Para o Tribunal de Contas do Estado, a meia-volta – nome diplomático para a derrota – certamente implicará em algum proveito e em melhorar o que não estava bom. Como a infalibilidade foi perdida, a humildade terá que ser incluída nas suas futuras resoluções, em meio a mais diálogo e mais compreensão sobre o que é coletivo e o que é interesse particular, desaguando em menos exercício da força de pressão que decorre da sua autoridade, a mesma que, contudo, precisará ser modulada a partir de agora. Um TCE mais contido e menor emergiu dessa crise, tendo adiante um calvário a percorrer, ameaçado de apequenamento, diante da ação que segue no STF para discutir a obrigação de prestar contas dos seus gastos à Assembleia Legislativa – algo que poderá ter repercussão geral, quer dizer, atingir todas as Cortes similares no país. Um desastre. Porém, que fique a lição: um nicho de ouro da velha política em Goiás foi quebrado, sem maiores repercussões. E palmas para Caiado. Ele trabalhou com denodo e obteve uma vitória que não é só dele, mas de todas as goianas e de todos os goianos. E quiçá das brasileiras e dos brasileiros.