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José Luiz Bittencourt sobre política, cultura e economia

27 jun

Liminar de Gilmar Mendes suspendendo o pagamento de parcelas da dívida de Goiás é mostrengo jurídico, foi gerada por pedido malfeito da PGE e parece inaplicável

liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes que supostamente suspendeu o pagamento de parcelas das dívidas estadual com a Caixa Federal, o Banco do Brasil e o BNDES pode ser definida como um frankestein jurídico e, no final das contas, pode ser simplesmente inaplicável dada as contradições e inexatidões que a compõem. Não há dúvidas de que o magistrado foi afoito na concessão da medida, a partir de uma ação proposta pela Procuradoria Geral do Estado que pode ser definida como muito mal formulada.

 

Para começo de conversa, a PGE cometeu o absurdo de solicitar, junto com a suspensão das parcelas dos empréstimos por seis meses, a inclusão de Goiás em um programa de regularização fiscal que simplesmente não existe – o PEF ou Programa de Equilíbrio Fiscal, por enquanto somente enviado ao Congresso em forma de projeto de lei complementar, sem dar até hoje qualquer passo em termos de tramitação. Na verdade, o correto teria sido tratar exclusivamente do calote a ser aplicado pelo governo do Estado nos três bancos oficiais, sob a justificativa das dificuldades financeiras enfrentadas, nada mencionando sobre o possível acesso do Estado a qualquer plano de ajuste – o que teria deixado abertas as portas para que o governador Ronaldo Caiado, mais à frente, optasse pelo que melhor conviesse aos seus interesses.

 

Havia precedentes no STF nesse sentido. Mas não foi esse o caminho que a PGE ingenuamente seguiu, sem avaliar as consequências. O ministro Gilmar Mendes, surpreso com o pedido de inclusão em um programa ainda em cogitação, fora da realidade, portanto, chamou os procuradores goianos, que, constrangidos, receberam a chance de corrigir o erro e fazer um aditamento à petição inicial. E aí a emenda ficou pior que o soneto. A PGE, imprudentemente, substituiu a miragem do PEF pelo Regime de Recuperação Fiscal, que, sim, está legalmente instituído e, no começo do ano, era o sonho de consumo de Caiado. Gilmar Mendes prontamente acatou, mas, vejam bem, leitora e leitor, não determinou a inclusão de Goiás no RRF, mas apenas que a área econômica do governo federal “permita” que o Estado apresente uma proposta de acesso e para isso, em um complemento perto da maluquice, chegou até a estabelecer condições, entre as quais a elaboração de um plano de ajuste fiscal, no prazo de seis meses, com aprovação da Assembleia, e a adequação, em oito meses, das despesas de pessoal, computando-se os inativos, ao limite de 60% da Receita Corrente Líquida fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas exigências não estão no RRF. A liminar acabou se configurando como uma salada em que os ingredientes não combinam entre si e resultam em um sabor amargo, no final das contas.

 

Além de acrescentar novas exigências, pouco críveis em prazo tão curto, a decisão do STF reza que a Secretaria do Tesouro Nacional deve receber o pedido de adesão de Goiás e decidir a favor ou contra depois de verificar se o Estado “preenche os requisitos legais para ingresso no RRF”. Não há obrigatoriedade alguma de aprovação. Com a sua redação confusa, a liminar teve o condão de deixar o governo Caiado desorientado, com o governador e a secretária da Economia Cristiane Schmidt dando declarações contraditórias, ela, aliás, chegando até a dizer que o RRF não seria mais do interesse do Estado e que a preferência seria aguardar pelo PEF – no que tem toda razão, dada a diferença entre um e outro, sabendo-se que o RRF é muito, mas muito mais rigoroso e implica em resumo na perda da autonomia do Estado para fazer a sua administração financeira (até as senhas das contas bancárias e sistemas de monitoramento e controle teriam que ser entregues aos técnicos do Tesouro que passariam a supervisionar a gestão fiscal).

 

Os desdobramentos da liminar e o que o governo Caiado pretende fazer, exatamente, é uma estória por ora mal contada. Até a suspensão das prestações da dívida por seis meses é incerta (Gilmar Mendes mergulhou esse item numa zona cinzenta ao estabelecer que o calote “fica condicionado ao comprometimento do Estado com as diretrizes da Lei 159/2017”, que criou o RRF). Não há nenhuma certeza sobre o acesso forçado de Goiás ao RRF e, pior, há menos certeza ainda sobre a oportunidade e a adequação desse programa de ajuste fiscal aos interesses do governo goiano – cuja situação financeira é difícil, porém longe dos níveis de calamidade apregoados pelo governador. E tudo pode acabar em meio ao caos.