Marconi e Zé Eliton não são santos e deixaram para Caiado uma crise fiscal, aliás a mesma do resto do país. Mas daí a dizer que “quebraram o Estado” e fizeram um “mau governo” há um exagero muito grande
Verdades precisam ser admitidas e ditas em voz alta, mais ainda na política, em que cada ator se esforça para adequar a realidade à sua narrativa e visão do mundo. Assim, é pacífico reconhecer que os ex-governadores Marconi Perillo e Zé Eliton de fato deixaram para o governador Ronaldo Caiado uma crise fiscal quase sem precedentes, em que a receita não cobre as despesas da administração.
O problema é que esse esse modelo se repete pela maioria dos Estados brasileiros. Se há uma espécie que tem horror à disciplina de gastos e à austeridade financeira, são os governadores. Os de antigamente, os do passado recente, os de hoje e os que virão amanhã. Em sua maior parte, resistem ferozmente a adotar medidas de enxugamento e racionalização da máquina governamental, temerosos de prejuízos para o projeto político que almejam. Podem crer, leitora e leitor, Caiado também é assim, apesar do discurso diário contra os seus antecessores Marconi e Zé, a quem acusa de terem “quebrado o Estado”.
Em sete meses no Palácio das Esmeraldas, o atual governador ignorou olimpicamente os gargalos que minam a estabilidade fiscal em Goiás. Não mexeu, por exemplo, com os programas sociais que recebeu prontos e acabados, porém completamente insustentáveis porque não há dinheiro para bancar a todos. Aberrações como a Bolsa Universitária terminaram mantidas. No outro extremo, evitou tocar na política de incentivos tributários que drena a arrecadação do Estado, beneficiando pouco mais de 500 grandes empresas em detrimento de todo o resto da economia. Direitos dos funcionalismo? Nem pensar. Continuam como sempre foram, impondo um aumento vegetativo de mais de 3% a cada mês para a folha de pagamento, ainda que nenhum aumento seja concedido e nenhuma admissão feita. E isso sem falar no déficit de R$ 200 milhões, também mensais, da previdência dos servidores, sem perspectivas de solução.
Marconi e Zé, em tudo isso, têm a impressão digital, mas porque fizeram pouco para tapar esses rombos. Era assim que o mundo rodava no tempo deles e foi assim que tocaram o governo, com alguns méritos indiscutíveis, como a certeza que sempre deram de que os salários seriam – como foram – creditados em dia. Entregaram a Caiado um déficit até aceitável, abaixo dos R$ 2 bilhões, número que parece elevado, mas está na órbita de normalidade diante do tamanho do orçamento estadual, e uma dívida inteiramente cabível conforme o manual da Secretaria do Tesouro Nacional – tanto que Goiás não pode ter acesso ao Regime de Recuperação Fiscal exatamente pela sua boa condição nesse item. Caiado inventou que eles deixaram de pagar o mês de dezembro, incriminação injusta. Desde sempre, os vencimentos do funcionalismo são pagos com a arrecadação do mês seguinte e não a do mês trabalhado. No governo Caiado, a propósito, é assim que acontece.
Ninguém “quebrou o Estado”, portanto, como alega a monótona propaganda de uma guerra que apenas o governo luta. Estados não quebram nem a população acredita nessa versão, conforme mostrou pesquisa qualitativa da Adial há poucas semanas. Sintomaticamente, o sonho dourado de Caiado é ser presenteado pelo governo federal com uma folga financeira, objetivo para o qual o falatória sobre uma inexistente calamidade financeira é muito, mas muito conveniente, embora até agora sem produzir resultados. E aí sobrevém uma paralisia. Nos mais de 200 dias da nova gestão, o Estado não avançou nem minimamente ganhou uma proposta diferente para o seu futuro. O Estado é o mesmo que era no ano passado e nos anos anteriores. O mesmo. Só que sem Marconi e Zé. Se eles fizeram um “mau governo”, Caiado também está fazendo.