Entenda porque é inaceitável o decreto de Caiado que abriu para a PGE o sigilo fiscal das empresas que devem ICMS: procuradores estaduais podem advogar e estaria aberta a captação de clientes
Há uma crise – séria – nos bastidores do governo do Estado, aberta pelo decreto 9.488/2019, assinado pelo governador Ronaldo Caiado, autorizando o compartilhamento da base de dados da Secretaria da Economia pela Procuradoria Geral do Estado, no que se refere às empresas que têm débitos de ICMS. A medida foi baixada no âmbito do Palácio das Esmeraldas, sem consulta à secretária Cristiane Schmidt, e ouriçou os auditores fiscais do Estado, que têm sérias restrições à distribuição dessas informações a outros setores da administração.
A PGE, como se sabe, é uma espécie de mão do rei no governo Caiado. Sob influência da primeira-filha Anna Vitória, um dos seus procuradores, Anderson Máximo, assumiu a Secretaria da Casa Civil e a partir daí tentáculos foram esparramados por todas as secretarias e órgãos. A PGE manda de cabo a rabo na gestão, impondo uma visão jurídica ao andamento da administração e, claro, reservando para si todos os privilégios corporativos possíveis, como o aluguel milionário de uma sede, em um governo que gaba de economizar e fugir de gastos extravagantes, e, agora, com o decreto acesso indevido ao banco de dados da Secretaria da Economia.
E por que seria indevido? O Sindifisco, que defende com unhas e dentes não só os interesses dos seus associados fiscais e auditores estaduais, mas os da própria sobrevivência fiscal do governo, qualquer que seja, posicionou-se contra e isso não é pouca coisa. Diga-se o que quiser do sindicato, mas é o inequívoco o seu mérito de sempre atuar a favor das demandas da sociedade, também. E, ao se levantar contra o compartilhamento de informações com a PGE, mais uma vez está coberto de razão.
O que está errado com o decreto de Caiado? Fácil entender: os procuradores estaduais, em uma falha ética da legislação, não são impedidos de advogar. Vários têm escritórios estabelecidos em Goiânia e alguns são até tradicionais. Ao acessar a lista de devedores do ICMS, com todos os detalhes, seria teoricamente possível que utilizassem o conteúdo para captar clientes e abrir novas frentes de negócios de advocacia. É só uma hipótese? É. Mas absolutamente incompatível com a seriedade e a responsabilidade de qualquer governo, menos ainda com um que gosta de se apresentar, como é o caso de Caiado, como defensor da ética e da moralidade. O rol de inadimplência tributária da Secretaria da Economia, em resumo, vale ouro para quem tiver acesso a ele, suspeita, aliás, que vale também para os próprios membros dos quadros do Fisco Estadual – o que reafirma a importância da maior continência possível na sua divulgação.
O decreto de Caiado liberando o compartilhamento da lista de devedores do ICMS e seus detalhes para a PGE tem cheiro de ovo podre. Repita-se: nem sequer a secretária Cristiane Schmidt, como ela mesma declarou, foi ouvida. E Caiado, que como governador não tem pela transparência o mesmo apreço que tinha como deputado federal ou senador, nunca deu um pio explicando sobre o que fez… se é que sabe o que fez.