O Popular exige oposição a Caiado. Como não há, o jornal se propõe a ocupar o espaço
O jornal O Popular cultiva alguns mitos ideológicos. Um deles é o de que governo, qualquer governo, é sempre fonte de coisas ruins. Na época do falecido Luiz Fernando Rocha Lima como um dos seus diretores, uma doutrina esdrúxula vigorava na redação: lançamentos de projetos governamentais não deveriam ser noticiados, pois não passariam de intenções. Uma vez, o então governador Marconi Perillo reclamou de que uma entrega, ou seja, um projeto realizado, não mereceu uma única linha de O Popular, e recebeu a resposta de Nando: “Isso é apenas o cumprimento de uma obrigação. Não é notícia”.
Nando semeava outras ideias excêntricas. Por exemplo, a visão de que um único buraco em uma rodovia simbolizaria a má manutenção de toda a malha viária. Ou a constatação de que um paciente não atendido em um hospital estadual seria correspondente ao colapso de toda rede pública de Saúde.
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Com o tempo, um pouco dessa linha editorial radicaloide se diluiu. Mas, vejam só, leitoras e leitoras, sobreviveu a antiga convicção dos profissionais de que O Popular tem responsabilidades específicas de oposição ao governo do Estado, quem quer que seja o governador. O caso momentâneo é o da declaração de Ronaldo Caiado na Cidade de Goiás, chamando atenção para a ausência de “oposição sólida” à sua gestão, o que é incontrastavelmente uma realidade e não decorre de nenhuma iniciativa sua, mas do contexto político geral do Estado. O jornal se revoltou.
O podcast tradicional do veículo, com Caio Henrique Salgado e Bonny Fonseca, ajudados pelo cientista político Guilherme Carvalho, caiu matando. “Oposição faz bem”, é o mote do início ao fim. Sim, faz. Mas qual oposição? E o que Caiado tem a ver com o desaparecimento do contraponto crítico ao seu mandato? Nada. Ou tudo. Se vai bem e se por isso seus adversários se acoelharam, ponto para ele, que não buscou esse objetivo. Aliás, quando falou em “ausência de oposição sólida”, o governador quis se referir ao tratamento republicano que dá aos prefeitos que não compõem a sua base, recebendo atendimento igualitário quanto aos que lá estão. Detalhe esse que O Popular escondeu.
Não é verdade que “oposição faz bem”, a qualquer preço. É preciso civilidade. Oposição calcada em coerência, fundamentos políticos e argumentos comprovados, essa, sim, “faz bem”. Ou o Popular está defendendo políticos que vão à tribuna da Assembleia para atacar o governador com palavrões, insultos e agressões incompatíveis com o sistema democrático, que prevê o respeito mútuo entre antagonistas? Essa oposição não “faz bem”, mesmo porque não leva a lugar algum partir da inexistência de teses alternativas para os programas e os atos de governo. É lixo puro, a não ser na cabeça dos jornalistas iludidos de O Popular.
Vá lá: melhor uma oposição desmiolada que zerada, por supostamente criar algum tipo de freio para os governantes. De novo, outro mito, que não “faz bem” e, sim, mal, muitas vezes legitimando o que tem a pretensão de desconstruir. Vale lembrar, aqui: jornalismo não deve ser a favor ou contra governos, mas simplesmente conforme os fatos. Só. Unicamente só. É por isso que o delírio de O Popular, julgando-se a grande força do contra em Goiás, é um desserviço para a opinião pública, ao propagar uma narrativa distorcida. Não há deuses no alto da Serrinha, mas seres humanos – talvez complicados, jamais infalíveis. Comuns, iguais a todo mundo.